Negócios e acordos

Capítulo 4

 

Quatro horas depois

Os cavalos estavam quase exaustos. Dugal, Jürgen, Giordano, Isabella, Gerard, Luca e quatro soldados exortaram os animais ao limite pela estrada que os trazia às montanhas. As montanhas onde ficavam as minas. Subiram pela trilha que serpenteava em meio às escarpas com os pensamentos galopando tão rápido quanto os cavalos. Ponderavam os acontecimentos da última semana e tentavam encaixar as peças soltas no quebra-cabeça macabro armado por Reinhard von Wische. Se tivesse mesmo sido armado por ele, pois os dois irmãos ainda alimentavam esperanças que seu idolatrado tio era inocente.

Mas isso ia ficando cada vez mais difícil de acreditar. Na trilha que levava à entrada das minas havia postos de guarda, que os irmãos sabiam que eram sempre ocupados por pelo menos um soldado. Passaram por três no caminho e não encontraram viva alma, porém quando se aproximaram do quarto e último antes da entrada foram recebidos por uma saraivada de balas. Alguns homens formavam uma barricada ao lado do posto.

O grupo desmontou e buscou abrigo entre as rochas, tentando retornar o fogo.

“Alguém ferido?”

“Não, senhor!”

“Consegue ver quantos são?”

“Parecem 5.”

“Eles só estão lá para nos atrasar.”

“O que sugere?”

“Cubram-nos.”

Dugal e Jürgen deixaram a cobertura das rochas e investiram pela trilha. Eram 5 mosquetes. Eles acreditavam ser capazes de cruzar a distância antes que houvesse tempo de recarregar, e confiavam em suas armaduras e na intimidação que seu ataque causaria para se proteger.

Deu resultado. Três tiros erraram, um ricocheteou na couraça de Jürgen e o outro resvalou a coxa de Dugal, o que não o impediu de saltar por sobre a barricada improvisada e desferir um golpe com a espada que derrubou o primeiro atacante.

Jürgen veio logo atrás, aterrisando com os dois pés sobre um segundo e se surpreendendo com o fato de que os homens vestiam o uniforme da guarda. Então havia mesmo traição acontecendo.

Os três restantes sacaram suas espadas, mas um deles foi rapidamente nocauteado por um gancho da panzerhand de Dugal. Jürgen trespassou com a espada o oponente mais próximo, e Dugal se abaixou e atacou a perna do último, decepando-a um pouco abaixo do joelho.

O restante do grupo já se aproximava enquanto Dugal tentava extrair informações do homem, mas era inútil já que o soldado estava em choque.

“Há mais soldados subindo a trilha.”

“Vocês quatro, fiquem aqui e peguem os nossos mosquetes e os destes traidores. Defendam esta posição, nós vamos entrar na mina e acabar com isso de uma vez.”

Mais duzentos metros foram percorridos correndo até chegar à entrada. Lamparinas de óleo iluminavam a galeria ampla. Havia anos desde que os irmãos haviam estado ali pela última vez.

“Pelo que eu me lembre, esse corredor leva até uma enorme caverna. Aparentemente a montanha inteira é oca. Uma marquise em dois níveis foi construída em um semicírculo na beira do abismo séculos atrás por nossos antepassados. Dali saem mais túneis, para onde estão os veios de minério.”

“Se algum de vocês não quiser se envolver nisso nós entenderemos. Principalmente a moça e seu amigo ali, que não sabe nem o que estamos fazendo aqui.”

“Luca não entende sua língua, mas eu expliquei para ele o que estava acontecendo no caminho para cá. Estamos ambos decididos a ajudar a resolver esta situação.”

“E eu sei me cuidar muito bem, jovem von Wische. Eu também quero ajudar a limpar o nome de minha família.”

“Muito bem, vamos.”

O corredor continuava por aproximadamente 50 metros. Os seis seguiram cuidadosamente, mas não encontraram nenhuma ameaça a seu bem estar. Como Jürgen havia descrito, o corredor terminava em uma espécie de terraço, pavimentado com ladrilhos de alvenaria, bordejado por uma mureta de menos de um metro de altura que o separava de um abismo escuro, e que à esquerda da saída do corredor por onde vieram havia uma escada, réplica perfeita da escadaria do salão principal do castelo, que levava a um outro nível da marquise.

Ao pé da escada, havia três homens. Um deles era um desconhecido, vestindo roupas folgadas e com longos cabelos desgrenhados e oleosos, um rosto repleto de cicatrizes e um sorriso cheio de dentes podres. Dos outros dois, um era o capitão Wiederkher, e o outro era alguém que julgavam morto:

“Arnoud!”

“O que? O que eles estão fazendo aqui? Eles deveriam estar a caminho de Montaigne!”

“E saíram em sua carruagem rumando justamente para lá. Creio que aquele traidorzinho Vodacce tem alguma coisa a ver com isso...”

“Não me chame de traidor, bastardo! Se alguém aqui deve ser acusado de traição, és tu!”

Uma voz familiarmente suave veio do alto da escadaria, ecoando na vastidão da caverna.

“Traidor, ele? Como pode ser um traidor, se sempre me foi tão fiel?”

“Tio!”

“Ah, meus sobrinhos. Não era para vocês estarem aqui. Vocês deveriam estar escapando da pequena emboscada que eu ordenei e perseguindo os responsáveis pelos próximos dois dias. Vocês me desapontam.”

“Teríamos feito isso, mas os hóspedes nos encontraram e contaram uma estória estranha.”

“Sobre o senhor e nosso pai. Diga que não é verdade, tio!”

“Vocês queriam ver seu pai? Ora, ele está aqui!” Reinhard esticou seu braço para a escuridão e puxou o homem acorrentado e abatido. Por debaixo do sangue, dos trapos e dos cabelos emaranhados os irmãos puderam reconhecer o pai.

“Por que? Por que isso, tio?”

“Minha família morreu. Minha terra morreu. Diziam que o motivo era a religião, era a conquista, era o dinheiro. Mas não. Esta guerra foi lutada por orgulho. Porque Eisen não tinha inimigos a altura fora daqui então decidiu se consumir por dentro. E o que representa mais o orgulho de Eisen do que isso? Dracheneisen.

Manter esta riqueza não nos trouxe força. Nos trouxe morte e destruição. Pais e filhos em suas armaduras brilhantes se retalhando com espadas reluzentes e esmagando os ossos um do outro com suas luvas cintilantes.

O Imperador nos abandonou, e com seu cadáver enforcado foram com ele suas leis. Não sobrou nada na terra. Dinheiro, comida, pessoas. Só esse maldito metal.

Então um dos príncipes Vodacce me procurou. Ele tinha dinheiro suficiente para comprar toda Eisen, mas ele queria só uma coisa – armas para o seu exército. Armas superiores às de seus rivais, armas forjadas no metal mais resistente que existe. Era a chave para conseguir os recursos necessários para reconstruir Wische, e tudo que eu precisava era entregar o segredo de Eisen, o segredo de uma força que não conseguiu resistir a si mesma.

Então procurei meu irmão, certo de que ele iria compartilhar de minha sabedoria e enxergar a solução para nossos problemas. Ele, porém, ainda se mostrava cego pelo orgulho. Ainda acreditava que essa substância amaldiçoada deveria ficar para sempre confinada nesta terra enlameada. Ele quis me impedir.

Mesmo não concordando comigo, ele de uma certa forma me alertou. Haveria outros que não concordariam com a minha decisão. Os outros eisenfurst poderiam querer minha cabeça quando descobrissem que eu vendi Dracheneisen para estrangeiros. Não era simples. A venda precisava ser feita secretamente, e algo deveria ser feito para que eu me tornasse o último dos barões que pudessem desconfiar de ter feito isso.”

“Aí entrou um velho conhecido de Montaigne.” Disse outra voz familiar enquanto saia das sombras de trás do eisenfurst.

“Maurice!”

“Você não está morto.”

”É claro que não. Chocados por descobrirem que não são os únicos com talento em nosso grupinho, não? Vocês são bons músicos, e eu sou um ator excelente. Devo dizer que foi comovente sua preocupação comigo enquanto eu fingia ter sido envenenado.”

“Mas por que isso?”

“Eu e um outro velho amigo, Arnoud ali, estávamos com problemas. Dívidas de milhares de guilders devido ao jogo e as mulheres nos perseguiam. Estava desesperadamente precisando de dinheiro quando vim ter aqui em Wische e descobri que meu senhor lorde Reinhard precisava de uma ajuda para resolver um problema.”

“O príncipe Vodacce interessado também planejava ajudar. Então juntos fizemos um plano para esconder nossa transação e, no processo, nos livrarmos de algumas distrações. O príncipe podia usar a oportunidade para desgraçar a família de um de seus rivais. Escolheu os Bernouilli, que se mostrariam os mais suscetíveis a uma proposta comercial tentadora.”

“Enquanto isso, eu atiçaria a ganância de meu maior credor, o marquês Courson, com uma proposta semelhante.”

“Então duas comitivas de estrangeiros viriam aqui atrás de uma oferta falsa. Uma delas viria para ser acusada de assassinato, e assim prejudicar a reputação de toda uma família de negociantes.”

“A outra comitiva veio para ser ‘assassinada’. Os dois endividados iriam ‘morrer’, e assim se livrar de suas obrigações monetárias para com outrem, tornando-se livres para reiniciar a vida em outro país, devidamente endinheirados após ajudar em tão maestroso golpe.”

“Após tal episódio lamentável, o eisenfurst se fecha para estrangeiros. Decide cortar qualquer tipo de relações, enquanto secretamente os piratas associados ao príncipe Vodacce levam para ele um carregamento de Dracheneisen suficiente para fazer armas para um exército, e usa o dinheiro que recebeu dos piratas pela venda do minério para reconstruir sua província aparentemente sem ajuda externa. E diminuindo a chance de que percebam que seu plano para acabar com a pobreza envolve chacinar os waisen em ‘tardes de caça’.

Um ano depois o príncipe Vodacce aparece com um exército armado de Dracheneisen. Enquanto conquista seus vizinhos em seu país, no nosso os eisenfursten querem descobrir como que ele teve acesso ao metal. As suspeitas não recairão sobre aquele que cortou qualquer tipo de relação com estrangeiros há tempos, mas sim sobre aqueles com quem ele tinha contato regular: Pösen e Heilgrund. Wische, com seu exército renovado e hasteando a bandeira do orgulho nacional contra estrangeiros, lidera os outros barões para punir os responsáveis por fazer cair na mão de outros o tão adorado Dracheneisen.

Imperador Reinhard von Wische não soaria mal.”

“E onde nós entramos nisso, tio? Por que nos envolver?”

“Meu objetivo com vocês era sincero, meninos. Queria que vocês aprendessem comigo como era governar, já que vocês seriam os meus herdeiros. E compartilhariam do mesmo ódio a estrangeiros que eu, quando soubessem que seu pai havia morrido assassinado em Vendel daqui a alguns meses...”

“Seu monstro!”

“Não sou um monstro. Sou um patriota. E agora vocês prejudicaram um plano que era perfeito. Meus motivos para odiar estrangeiros terão que incluir a morte de meus adorados sobrinhos. Seu primo Lothar, filho de minha prima Frieda os substituirá como meu herdeiro.”

O som de nove lâminas sendo desembainhadas em uníssono ecoou na caverna. Maurice se virou e reentrou nas sombras do piso superior, enquanto cada um dos outros homem escolhia seu oponente.

Arnoud se aproximou de Luca:

“Faz semanas que eu quero enfiar minha espada em sua garganta, pederasta.”

“Sente inveja porque mesmo eu sendo castratti não preciso pagar para ter mulheres, palerma?”

Wiederkher bloqueou o caminho de Giordano:

“Deveria ter ficado no calabouço, garoto. Sua morte seria mais clemente.”

“A morte não é clemente. Você poderá ver isso daqui a alguns momentos quando estiver sentindo minha lâmina dentro de sua carne.”

O desconhecido sujo avançou na direção de Gerard brandindo um cutelo:

Hey Montaiño, ¿Donde compraste este sombrero tenía para hombre?

“Não entendi sua bravata, mas julgando pelo seu estilo deplorável não creio que ela valeria a pena de se ouvir.”

Reinhard von Wische desceu as escadas vagarosamente, deixando seus escarpins metálicos ressoarem de encontro aos degraus e se unir ao clangor das espadas que se encontravam nos três duelos que aconteciam. Ao pé da escadaria estavam os dois irmãos, Dugal e Jürgen, preparados para enfrentar juntos o homem que, quando crianças, viram voltar de uma batalha coberto de sangue, ouvindo seu pai dizer que ele havia derrotado 14 homens.

Jürgen ameaçou um ataque para tentar distrair a atenção de seu tio, mas Reinhard não caiu na finta. Sua atenção estava focada no golpe da espada de Dugal, que foi impedido pela sua panzerhand. O eisenfurst cerrou o punho da manopla na lâmina do sobrinho, prendendo-a, enquanto desferiu um golpe com sua espada no peito de Jürgen. A armadura resistiu, mas a força impelida foi tamanha que o jovem foi projetado para trás. Com a sua panzerhand, Dugal tentou socar Reinhard, mas ele puxou a espada que segurava, desequilibrando-o, fazendo errar o ataque e largar a arma. O eisenfurst riu, olhou para a espada do sobrinho em sua mão e jogou-a por cima do ombro, mandando-a para o topo da escadaria.

Enquanto isso, Luca tentava penetrar a defesa do mosqueteiro. Tentava manter o foco, porém Arnoud tentava irritá-lo, provocando-o com insultos e com seu estilo jocoso de lutar. Luca nunca havia enfrentado um praticante de Valroux antes.

Giordano também tinha dificuldades com seu oponente. Wiederkher mantinha-se fiel aos princípios do Eisenfaust, o estilo de luta da espada e panzerhand: Defensivo, sem movimentos exagerados, sóbrio, atacando somente quando se vê a vulnerabilidade do inimigo.

Gerard nunca aprendeu formalmente como usar uma lâmina. Sabia os princípios básicos de ataque e defesa, e confiava em sua graça e destreza natural para utilizar o espadim que trazia à cintura. O Castille que o enfrentava também não parecia ter treinamento apropriado, mas lutava com ferocidade, acuando Gerard com os golpes de sua arma mais pesada e com gritos ameaçadores.

Jürgen estava se levantando e já teve que se esquivar de Dugal, derrubado por uma ombrada do eisenfurst. O jovem de cabelos compridos conseguiu bloquear a espada que se dirigia ao pescoço do irmão, mas foi atingido por uma cabeçada de seu tio. Caído, Dugal usou suas pernas para tentar desequilibrar Reinhard, no que teve sucesso parcial. Conseguiu impedir que fosse dado o golpe mortal em Jürgen, mas não derrubou Reinhard. Este se afastou dois passos para recuperar o balanço, e logo voltou para atacar seus sobrinhos.

Hauptmann Wiederkher não se deixava cair nas fintas de Giordano. Este tomava muito cuidado para evitar que o capitão prendesse sua espada com a manopla, mantendo seu ataque do lado da espada do Eisen.

Luca já havia sofrido um corte na perna e um no rosto, este último que havia servido somente para lhe irritar. Não estava acostumado a uma luta tão extensa, e começava a demonstrar sinais de cansaço.

Gerard por enquanto havia conseguido evitar o cutelo de seu algoz, percebendo que apará-lo com sua lâmina mais leve era inútil. No entanto, não havia abertura em sua guarda para que Gerard pudesse explorar. Ou talvez houvesse, se ele ficasse mais concentrado em sua luta, mas sempre foi um homem que prestava atenção em tudo a sua volta. E no momento se intrigava com o fato de que Isabella havia se esgueirado pelas escadas atrás de Maurice.

Sabendo que não iria agüentar muito tempo mais, Luca partiu para o ataque total. Saltitou para trás e arremessou sua adaga em Arnoud. O mosqueteiro se esquivou, e quando Luca veio em sua direção girando a espada sobre a cabeça e desferindo um potente golpe de cima para baixo, defendeu-se com rapieira e main gauche cruzados em sua frente.

Era exatamente o que Luca planejava. Mantendo o impulso de seu ataque inicial, colocou toda sua força em um chute na virilha de Arnoud. O sorriso na face do Montaigne se apagou, e Luca torceu seu punho para fazer com que sua espada cortasse o tronco de Arnoud do ombro à barriga. Por fim, uma estocada no peito encerrou o embate.

Wiederkher enxergou a abertura na defesa de Giordano e começou a atacar. Agora pressionava o Vodacce para trás, desferindo golpe após golpe com sua espada de lâmina larga. Giordano tinha que usar a sua espada para defender, o que não estava acostumado a fazer. Então tinha que fazer outra coisa que não estava acostumado, que era atacar com a adaga normalmente usada para aparar.

O capitão da guarda agarrou a lâmina da adaga e a prendeu com sua panzerhand, e preparava-se para dizer algo quando foi interrompido por um golpe inesperado. Giordano usou o guarda-mão de sua espada para socá-lo no rosto, tirando momentaneamente sua concentração. Largando a adaga presa, o Vodacce então aplicou um golpe com a mão aberta na garganta de Wiederkher, arrancando o ar do homem. Desvencilhando-se, Giordano trespassou o oponente com sua rapieira.

Gerard percebeu que não havia mais sentido em ficar se testando. Reconhecia que o Castille era um espadachim mais habilidoso e que ele logo seria capaz de matar-lhe. Então, já que seu oponente não era um cavalheiro e a situação era uma luta pela vida e não um duelo de honra, deu dois passos para trás e puxou sua pistola. Os olhos do homem se arregalaram antes que o estrondo e a fumaça denunciassem o tiro, e sangue escorresse da testa dele.

A poucos metros dali, Reinhard apertava o pescoço de Dugal com sua panzerhand e ameaçava Jürgen com uma série devastadora de golpes de espada. O jovem tentava apará-los como podia, mas por fim um deles derrubou a lâmina de sua mão, deixando-o desarmado como Dugal.

Reinhard preparava-se para eliminar os sobrinhos e enfrentar os outros três que haviam derrotado seus aliados quando uma voz veio de cima das escadas:

“Basta, Reinhard!” Lá em cima estava Herman, trazendo na mão a espada de Dugal que havia sido lançada para o balcão. Descia os degraus mancando, mas de cabeça erguida e com os ombros afastados.

“Acho que é hora de terminarmos com isso, eu e você. Jürgen, sua luva!”

Aproveitando a distração de seu tio, os irmãos se afastaram. Jürgen obedeceu a ordem do pai, retirando sua manopla e jogando-a na direção dele. Herman apanhou-a no ar, e rapidamente vestiu-a.

“Não pode alimentar esperanças de vencer-me, irmão. Mesmo em plena forma não era páreo para mim.”

“Você nunca ameaçou meus filhos antes, Reinhard.”

Com isso, Herman saltou os degraus restantes e golpeou com a espada. Surpreso, Reinhard mal teve tempo de levantar a manopla para defender o ataque. Recuou seu braço direito para atacar com sua espada, mas um soco rápido de Herman em seu ombro impediu suas intenções. Novamente teve que usar a panzerhand para bloquear um ataque dirigido à sua cabeça.

Cada golpe de Herman que Reinhard defendia mandava espasmos de agonia pelo seu braço esquerdo. A força impelida nos golpes de espada poderia derrubar uma pequena árvore. Além da desnutrição, além da tortura, Herman buscava os resquícios de sua força para derrotar o irmão.

Reinhard tentou outro golpe com a espada, e Herman defendeu-se agarrando a lâmina com a panzerhand. Reinhard apertou o cabo com firmeza para evitar ser desarmado, e puxou a espada para tentar soltá-la.

Herman respondeu fazendo pressão para o lado oposto. Dracheneisen é o metal mais resistente que existe, mas as forças opostas de dois homens tão vigorosos eram demais até para tal substância. A lâmina da espada trincou e depois estilhaçou ante os olhos atônitos de Reinhard e dos outros presentes. O único a não se surpreender foi Herman, que desferiu mais um golpe com sua espada.

Reinhard defendeu mais este e tentou, desesperadamente, usar o toco de espada que lhe restava como uma adaga, visando o pescoço do irmão. Herman desviou-se e acertou-o no rosto com um soco da panzerhand, e atacando-o no peito com a espada.

Novamente Dracheneisen enfrentava Dracheneisen, e a armadura não resistiu à força por trás de um metro de lâmina. A couraça cedeu, e a espada de Dugal nas mãos do pai perfurou pele e carne.

Herman retirou a lâmina e chutou o peito da armadura com seu pé descalço. Ferido, Reinhard cambaleou para trás, tropeçou na mureta e caiu no abismo. Herman ainda correu na direção, sem saber ao certo se para cortar uma mão que se agarrasse à mureta ou para puxá-la de volta em um gesto de compaixão fraternal, mas não chegou a tempo.

Nenhum grito de morte saiu dos lábios de Reinhard, enfrentando o inevitável como um Eisen.

 

“Pai!”

“Meus filhos!”

“O senhor está bem?”

“Vou ficar! Escutem, não há tempo a perder. Subindo as escadas há um túnel que leva a uma outra saída da mina que dá para o rio. Os piratas estavam carregando o minério em seu navio, vocês ainda podem impedi-los!”

“Eu vi sua prima indo naquela direção também.”

“Isabella! Temos que ir atrás deles e descobrir quem é o príncipe que quis desmoralizar minha família!”

“E pegar Maurice também!”

Os cinco subiram as escadas apressadamente e não notaram Herman caindo no chão, ajoelhado. A exaustão cobrava seu preço agora, e lágrimas enchiam seus olhos pela morte do irmão.

A luz do crepúsculo podia ser vista no final do túnel. De longe, já puderam sentir o revoltante odor de sangue. O túnel acabava em uma pequena praia à beira do rio. As marcas no chão indicavam que muitas pessoas passaram por ali, carregando peso. Tudo o que restava era o corpo de Maurice, tão retalhado quanto o do médico que encontraram no castelo horas antes. E, à distância, podiam ver um navio que navegava em direção ao mar, fora de seu alcance. Um navio de velas vermelhas como o sangue, carregando Dracheneisen e provavelmente Isabella consigo.

 

Epílogo: uma semana depois

Dugal, Jürgen, Giordano, Luca e Gerard aguardavam no estúdio. O novo eisenfurst, Herman Von Wische, entrou pela porta lateral. Barbeado, limpo e alimentado era uma figura muito diferente do homem que viram enfrentar Reinhard na semana anterior. Parecia muito mais forte.

“Senhores Giordano Bernouilli, Gerard Denis e Luca de Montenero; Wische tem muito a que lhes agradecer pelo que fizeram. Sua integridade ajudou a salvar nossa terra de um jugo maligno.”

“Fizemos apenas aquilo que poderia se esperar de nós, milorde.”

“Não, suas ações foram muito além do que se podia esperar de vocês. Por isso, consultei as leis de Eisen para me assegurar de que o que pretendia lhes oferecer era apropriado. E é.”

Dois servos entraram na sala trazendo uma grande caixa. Eles saíram antes que o eisenfurst abrisse a tampa e revelasse o conteúdo.

Uma rapieira, uma adaga, uma pistola, um mosquete e um machado. Feitos de Dracheneisen.

“Esses itens são para vocês e meus filhos, um agradecimento pelos serviços prestados a este konigriech e a Eisen. Irei preparar a documentação para legalizar a posse destes itens para vocês.

Quanto aos meus filhos, estes itens não são um simples prêmio, mas sim algo para ajudar em sua missão. O metal precisa ser recuperado, e a honra de Wische, vingada. Quero que vão em busca destes piratas e recuperem a carga, e arranquem deles o nome do Vodacce que esteve por trás disso.”

“Senhor, se me permitir, gostaria de acompanhar seus filhos nesta missão. Minha prima, Isabella, foi seqüestrada por estes mesmos piratas, e também quero vingança contra o príncipe que tentou manchar o nome dos Bernouilli!”

“Nós também queremos tomar parte nesta busca. Fomos enganados e usados, temos também nossas contas a ajustar!”

“Então vocês têm a minha benção. Escolham suas recompensas no baú. Depois que partirem, tentarei dar bom uso ao dinheiro sujo que meu irmão recebeu pelo nosso Dracheneisen.”

Dugal pegou o machado, Jürgen o mosquete, Giordano a rapieira, Luca a adaga e Gerard a pistola. Entreolharam-se, e saíram do escritório. Em breve partiriam para Freiburg, onde iriam contratar um navio e iniciar sua nova aventura.

 


 

Espero que tenha gostado. Não sei se consegui colocar as palavras de um jeito que tenha ficado legal para quem não estava lá nas sessões originais. Tem que ser muito bom para fazer jus ao que eu senti, porque pra mim essa foi a melhor aventura de RPG que eu já escrevi e mestrei, e um exemplo de como não se deve fazer uma aventura.

Eu tinha bolado uma estória e chamei os jogadores para criarem personagens um dia. Benevolente como sempre fui, não restringi nada às personagens, e os jogadores puderam fazer o que queriam. E realmente quis matá-los depois, porque nenhum deles se encaixava na aventura que eu tinha feito.

Na primeira sessão, tive que improvisar algumas coisas. Meu Deus, como que eu ia encaixar os músicos com dois nobres Eisen? E o nobre Vodacce, que não havia comparecido na primeira sessão?

No fim de semana anterior, nós havíamos assistido o Episódio I: A Ameaça Fantasma. Mesmo o filme tendo sido tão ruim quanto foi, acabei na hora H querendo utilizar três idéias de lá para a sessão que iria começar e eu não tinha a mínima idéia do que fazer: acordos comerciais, um vilão que parece amigável e ninguém desconfia, e uma luta no final envolvendo dois contra um, sendo que o um se dá muito melhor.

Eu tinha tempo para enrolar enquanto Thiago não aparecia. A estória, que girava em torno de absolutamente nada, ia se desenvolvendo junto com as desconfianças dos próprios jogadores.

Maurice não era um vilão até o Kumm dizer “não sei, esse cara me parece meio sinistro.”

Não imaginei que o Gordo fosse ficar tão desconfiado com a serva saindo do quarto vazio. Eu nem sei porque falei aquilo!

O mosqueteiro não sumiu de propósito. Eu simplesmente havia esquecido dele, e quando o Alfredo resolveu perguntar onde ele estava eu tentei permanecer sério e inventar a estória do desaparecimento dele.

Quando o Thiago finalmente apareceu (acho que já era na terceira ou quarta sessão), já tinha um monte de intrigas acontecendo, sendo que os próprios jogadores criaram a maioria delas. Aquela foi uma ótima sessão, e era a primeira vez que eu mestrava para a na época minha namorada Fabiana, que entrou de última hora como a strega Isabella.

Quando eram umas quatro horas da manhã, tudo tinha atingido o ventilador. Thiago e Fabiana estavam presos e eu não sabia por quê exatamente, Maurice estava morrendo sem razão também e pra mim a aventura estava indo para o vinagre. E eu vi o Magoo sacudindo o Alfredo e falando “caramba, que estória legal” (na verdade as palavras dele não foram essas, mas esse é um site de família). Eu não podia desapontá-los. Como último ato, do nada, puxei o Thiago de lado e falei do preso que estava do lado dele. Inventei aquilo na hora, mas foi suficiente para ele arregalar os olhos.

Passei a próxima semana pensando nas pontas soltas e amarrando-nas. Queria finalizar aquele arco com uma sessão inesquecível.

No meio de todas as bobagens que eu inventei, liguei os pontos e formou-se um desenho. Não precisou jogar nada fora, tudo se encaixava. E planejei a próxima sessão para ter vários elementos do espírito 7th Sea – mortos que não estavam mortos, o vilão contando seu plano antes de matar os heróis, uma batalha com vários elementos, uma donzela em perigo e o vilão que morre sem deixar um corpo para confirmar...

E deu tudo certo. Todo mundo gostou principalmente eu.

Ainda houve uma sessão depois disso. Naquela, as personagens iam para Frieburg e conheciam o novo integrante do grupo, o dono do navio que eles iriam usar e que seria interpretado pelo nosso amigo Dennis. Só que, além do nosso controle, uma discussão fora do jogo entrou no meio da sessão e acabou com metade do grupo se matando. Juntou-se a isso o fato de que naquela semana eu havia comprado o suplemento de Eisen, descobrindo que quando a fonte oficial dizia que Reinhard von Wische estava “arrasado pela perda da família” significava que ele estava catatônico há anos, e pior ainda saber que sem o processo dos Nibelungen o minério roubado era inútil. Por fim, nós todos sabíamos que o grupo não ia ter uma perspectiva muito boa de futuro sendo que eles iam atrás dos Crimson Rogers...

Então essa aventura parou por aí. Quem sabe eu continue escrevendo a partir daí sobre o que poderia ter acontecido? Não vai ter o mesmo pique, acho, porque aí não vai ter as gozações chamando a personagem do Kumm de eunuco e fazendo vários desenhos, ou chamando as do Magoo e Alfredo de Equipe Rocket e Xamot & Tomax... enfim, essa estória foi feita mais por eles do que por mim. Palmas para eles.

Uma última coisa: os primeiros capítulos desse conto já circularam pela net em inglês com o título Deadly Dealings. Ficou no Revenant`s 7th Sea Site até este sair do ar, junto com outros contos meus que algum dia vão aparecer aqui no Krypteia.