Negócios e acordos

Capítulo 3

 

No quarto de Maurice...

Luca e Gerard amparavam seu companheiro moribundo. Sua mão não estava quente e seu coração parecia manter um ritmo normal, mas seus olhos estavam fixos no nada e seus lábios tremiam ao emitir sons que pouco lembravam palavras. A voz de Gerard se fez ouvir num volume apenas suficiente para sobrepor estes gemidos:

“Ouvi um dos guardas dizer que a mulher escapou, Luca.”

“Não estou surpreso. Tenho quase certeza que era uma strega.”

“Uma bruxa? Ora, os Bernouilli com certeza sabiam muito bem o que queriam quando mandaram esses dois aqui. Só acho que foi um plano muito idiota. Quem poderia achar que daria certo?”

“Não acredito que tenha sido um plano deles, Gerard. Não simpatizei muito com aquele rapaz, mas posso reconhecer algumas características nos meus conterrâneos. Aquele homem tem virtu. Não iria recorrer ao veneno. E a moça era uma strega, por Theus! Por que iria envenenar alguém se podia facilmente fazer com que caísse da escada, fosse atropelado por um cavalo ou se engasgasse com um osso? Isso supondo que eles tivessem vindo especificamente para matar Maurice, porque se o que queriam era o acordo ela podia muito bem fazer com que o eisenfurst nos expulsasse daqui sem pestanejar!”

“Sabe Luca, tem muita coisa estranha acontecendo por aqui. E suspeito que o convidado misterioso tem algo a ver com isso...”

“Que convidado misterioso, homem?”

“Na noite em que bebemos com os dois sobrinhos do lorde, quando voltamos ao quarto vi uma serva levando um prato de comida para aquele quarto no fim do corredor. No dia seguinte, resolvi investigar e interroguei-a, mas ela não sabia de nada, só que o eisenfurst a havia obrigado a levar comida para aquele quarto e não contar a ninguém sobre isso. Achei estranho, mas não tinha nenhum motivo para me aprofundar mais, já que não havia nada de mais acontecendo, mas agora...”

“M-m-méd... Mé-médico...” interrompeu a conversa o apelo sôfrego.

“Maurice! Oh, Theus, deixe-me ir chamar aquele médico. Fique aqui com ele, Luca.”

 

No salão principal

“A mulher fugiu, Dugal.”

“Desconfio que eles devam ter um esconderijo por aqui, onde planejaram antes de chegar. Talvez aquela cabana na floresta.”

“Podemos questionar o primo dela lá no calabouço.”

“Já fiz isso, rapazes.” Disse hauptmann Wiederkher, chegando junto com o lorde von Wische e entrando na conversa. “Ele insiste em sua inocência e diz não saber onde a prima poderia ter ido.”

“Esta tentativa de acordo foi um desastre. Sangue e traição trazidos para dentro da minha casa. Eu nunca deveria ter dado ouvidos ao pai de vocês. Eu não queria saber de estrangeiros e o que eles podem nos trazer. Nós somos Eisen! Mas seu pai me disse que era hora de deixar de lado o orgulho que acabou com outros como Sieger e tentar conseguir ajuda...”

Nesta hora, os quatro viram o Montaigne Gerard descendo as escadarias.

“Onde está o médico?”

“Está na cozinha, com as cozinheiras preparando uma sopa fortificante para o senhor Larue.”

“Maurice chama por ele. Deve estar com dores.”

“Vamos buscá-lo!”

Gerard e o eisenfurst foram até a cozinha, chamaram o doutor e subiram apressadamente as escadas. No quarto, encontraram Luca ajoelhado ao lado da cama segurando a mão de Maurice.

“Maurice! Maurice! Ele não responde há 5 minutos!”

“Deixem-me vê-lo. Todos para fora!” Disse o médico.

“É muita insolência, doutor, pressupor que pode expulsar-me de um aposento em minha própria casa. Que os dois saiam, mas eu ficarei!”

“Que seja, mas por Theus, deixem-me fazer o meu trabalho.”

Luca e Gerard saíram do quarto, Luca enxugando as lágrimas.

Desceram para o salão e lá encontraram os dois irmãos Eisen ainda conversando com o capitão da guarda.

“Como ele está?”

”Muito mal. O médico mandou-nos sair do quarto.”

“Bem, está fora de nossas mãos agora. E quanto ao rufião? Ele disse onde está o corpo do mosqueteiro?”

“Ele diz ter jogado no rio.”

“O pobre Arnoud, jogado no rio? Oh, precisamos fazer algo sobre isso. Vocês mandaram patrulhas procurá-lo?”

“Estamos dedicando nossos esforços a recapturar a mulher que fugiu. Depois nos preocuparemos com cadáveres.”

 

Enquanto isso, vários metros abaixo dali

“Que diz, senhor? É o irmão do lorde do castelo?”

“Sim, meu jovem. Sou o irmão mais novo de Reinhard e próximo na linha de sucessão, antes de meus filhos Dugal e Jürgen.”

“Os dois irmãos são seus filhos?”

Os olhos do prisioneiro se arregalaram e ele se pôs de pé. Giordano pôde ver as marcas da tortura e do encarceramento em um corpo que ainda mostrava sinais de grande força.

“Você viu meus filhos? Eles estão aqui?”

“Sim. Os vi pouco, apenas quando cheguei e fui apresentado a eles, e depois eles saíram. A próxima vez que os vi de novo foi quando voltaram com um prisioneiro que me acusou de o ter contratado para assassinar um Montaigne e de ter comprado dele um frasco de veneno.”

“Theus, o que pretende, Reinhard? Por que envolver meus filhos?”

“O que está acontecendo?”

“Reinhard enlouqueceu. A perda da esposa e dos filhos o fez duvidar de Theus, de Eisen e de si próprio. Ele acredita que a província é a última coisa que lhe resta, e fará de tudo para reerguê-la. Um objetivo louvável, mas a loucura reside no que ele está disposto a fazer para isso. Ele barganha com gente que não deveria, e com riquezas que não foram feitas para negociar!”

O homem andava no círculo que sua corrente permitia dentro de sua cela. Pausou alguns segundos antes de voltar a falar.

“Vejo que você não está acorrentado. Talvez você possa aproveitar a chance que eu estava guardando para mim. Há um túnel que sai deste calabouço de que Reinhard não deve saber. Nosso pai o mandou construir no começo da guerra quando Reinhard estava no front e eu ainda estava em treinamento. Eu nunca contei a Reinhard dele e nosso pai nunca teve a chance, então ainda deve estar aberto. Você acha que consegue mover este bloco atrás de você?”

“Deve pesar mais de 80 quilos. Posso tentar.”

Giordano colocou os dedos na pedra e tentou puxar. Sentiu que ela havia se deslocado pouco mais que alguns milímetros.

“Força, rapaz. Você conseguirá. Não é só por sua vida que você está lutando.”

“Eu... sei... é a minha, a de Isabella, a honra de minha família...”

“Não se esqueça deste velho moribundo, amigo. E de meus filhos, não acredito que eles estejam mancomunados com meu irmão louco. Ele deve ter-lhes enganado para ajudá-lo. O destino de Wische está nos seus dedos, rapaz; e se Reinhard prosseguir com seu plano, toda Eisen estará ameaçada!”

“Aaaarghhhhhhhhhhhhhh!”

O bloco se moveu e caiu pesadamente no chão. Havia uma passagem estreita pela qual Giordano poderia se esgueirar.

“Aonde isso leva?”

”À fossa. Fica na face norte do castelo. Se você for cuidadoso, de lá poderá fugir e talvez tentar contatar meus filhos e dizer-lhes que eu estou aqui. Não confie em mais ninguém. Leve com você meu anel de sinete. Se você encontrar meus filhos, eles acreditarão em você se lhes mostrar isso.”

“Obrigado pela confiança em mim, senhor.”

Giordano esticou o braço e pegou o anel que Herman lançou em sua direção. Respirou fundo e se enfiou na passagem úmida e fétida. Um homem muito maior que Giordano não conseguiria passar por ali. As pedras feriam seus cotovelos e ombros a medida que se arrastava, e o cheiro ficava pior a medida que se aproximava de uma luz. Pareciam ser os primeiros raios da aurora.

O jovem Vodacce emergiu de seu túnel e respirou fundo, uma péssima idéia visto que estava no meio da pilha de dejetos que saia do castelo através de um cano próximo. Nauseado, Giordano cambaleou para fora da imundície e se dirigiu ao mato alto que avistou a poucos metros. Lá se abaixou e tentou se certificar que não havia sido visto por nenhuma sentinela. Retirou do bolso o anel brilhante, que reluzia como prata mas era de um metal muito leve, e aparentemente muito resistente. Guardava-o novamente quando percebeu uma sombra que se aproximava por trás dele. Estava desarmado, mas iria se defender com as próprias mãos se necessário.

Virou-se bruscamente e conteve seu ataque no último instante. Sua prima, diante dele, estava impassível:

“Senti que o encontraria aqui. Tive visões e temos muito o que fazer antes de segui-las.”

 

No castelo...

O ar do salão estava tenso. Nenhum dos quatro havia dormido a noite inteira. Jürgen estava sentado em uma poltrona e flexionava seus dedos dentro de sua panzerhand, fazendo ressoar o metal toda vez que seu punho se fechava. Dugal, em pé, andava de um lado para o outro. Gerard tinha a testa franzida, segurando o queixo com a mão esquerda enquanto a direita repousava no cabo de sua rapieira. Luca por duas vezes pensou em abrir a boca mas logo mudava de idéia.

“O que você quer, Luca?”

“Eu acho que deveria contar para eles...”

“Contar o que?”

“Três dias atrás, no primeiro dia que ensaiamos na igreja, eu e Maurice fomos atacados na rua.”

“Como assim, atacados?”

“Supus que fossem simples bandidos, atrás de nosso dinheiro. Eu nos defendi, e Maurice levou uma pancada na cabeça, mas me fez prometer que eu não ia contar para ninguém.”

“Podia ter contado para mim.”

“Acabei esquecendo. Estive pensando que é possível que isso tenha sido uma tentativa frustrada de assassinato.”

“Mesmo assim, não creio que será útil que nossos anfitriões fiquem sabendo disso agora três dias depois. É melhor deixar isso de lado. Parece que vem vindo o eisenfurst.”

Reinhard descia as escadas devagar. Seu semblante era como uma máscara, não havia nada lá do homem cordial que os havia acolhido por uma semana.

Herr Larue acaba de falescer. Minha promessa de fazer com que a morte ficasse longe desta casa por pelo menos uma década foi quebrada após meros dois anos.”

Herr Denis, herr Montenero, o médico preparará o corpo de Larue para que vocês possam transportá-lo de volta para seu país. Quero que partam antes do meio-dia e nunca mais voltem a pisar neste castelo. Digam ao marquês que não tenho interesse em negociar com estrangeiros. Assegurem-lhe que os responsáveis pela morte de Larue serão punidos segundo os rigores da lei de Eisen e de Wische.

Dugal, Jürgen, gostaria de falar com vocês em meu estúdio.”

 

No estúdio

“Tio, por que cancelou as negociações?”

“Porque percebo agora que nunca deveria ter concordado com seu pai. Ele insistiu para que eu incentivasse o interesse dos estrangeiros para conseguirmos os recursos necessários para a reconstrução de nossa terra. E agora tenho morte de volta impregnando as paredes de meu lar. Lembrando-me que apesar da guerra que assolava Eisen, minha família estava bem até chegarem os Castille para ajudar a ‘defender’ os interesses Vaticinos. Mas se errei consertarei este erro e garantirei que não ocorra novamente. Chamarei por seu pai e cancelarei sua missão diplomática. Vejo que tudo que precisamos está aqui em Wische, não precisamos de Fischler, Sieger, Pösen, Heinzl, Heilgrund ou Trägue.”

“Mas tio, isso foi uma fatalidade! Os Vodacce são os culpados, mas os Montaigne ainda podem nos ajudar com o dinheiro.”

“Ao inferno com o dinheiro! Precisamos de comida, e comida se consegue com trabalho. Temos muitas mãos ociosas neste konigriech, e muitas outras trabalhando nas coisas erradas. Essas mãos são tudo que precisamos para fazer as plantações funcionarem. Agora saiam, vou escrever uma carta para seu pai. Depois farei uma para o marechal de Gottkirshen, que vocês levarão quando voltarem para lá terminar seu treinamento. Seu pai e eu iremos traçar o novo plano de governo que começará com a restauração de nosso exército.”

 

Mais tarde...

Os dois músicos levavam sua bagagem para a carruagem enquanto quatro servos colocavam um ataúde de madeira simplório com o corpo de Maurice Larue sobre o teto. Os dois irmãos gêmeos observavam e comentavam:

“Tem uma parte de mim que está satisfeita com esses dois indo embora daqui. Mas não acho certo.”

“Tem razão, Jürgen. Acho que nosso tio errou em seu julgamento.”

“Bem, acho que quem terá que dizer isso para ele será nosso pai quando voltar. Nós vamos ter que ir embora também.”

“Mas pelo jeito não tão cedo, rapazes.” Disse a voz de Wiederkher, atrás deles. “Essa mensagem acabou de chegar para vocês.”

Dugal pegou o pedaço de papel sujo das mãos do capitão e desdobrou-o. Havia uma simples sentença escrita:

Encontrem-me na ponte. Tenho informações que podem lhes ser úteis. – Rolf

“O que pode ser?”

“Talvez o paradeiro da mulher. Ou do corpo do mosqueteiro.”

Enquanto isso, finalizavam-se os preparativos da carruagem dos músicos. Eles se aproximaram para cumprimentar os dois irmãos com apertos de mão.

Luca e Gerard voltaram-se e subiram na carruagem, que logo se pôs a andar e tomar seu caminho pela estrada lamacenta. Ficaram em silêncio por alguns minutos antes que Luca o quebrasse:

“Sabe que com isso provavelmente vamos perder nosso status com o marquês, não Gerard? Isso se ele não mandar nos executar.”

“Ainda não me preocupo com isso, Luca. É tudo muito estranho. E não me sai da cabeça a estória do quarto ocupado.”

“Eu acho que você deveria estar se preocupando com o nosso futuro. Eu acho que deveríamos dizer ao cocheiro para ir para Frieburg, e de lá iríamos para Kirk. Dizem que os líderes da Liga Vendel gastam muito mais dinheiro que os nobres de Montaigne...”

“E o veneno... se ele envenenou o vinho, era porque ele queria matar o eisenfurst também? Afinal, Reinhard estava quase o tomando quando Maurice começou a passar mal.”

“Não quero voltar para Vodacce, e não gosto do clima de Castille. Dizem que a capital de Ussura é um bom lugar, depois que você consegue passar pela muralha de bárbaros.”

“E a garota disse que ele iria matá-la de um modo que parecia literal. Até aquele ponto não imaginava o eisenfurst como alguém capaz disso, mas do modo como ele olhou para nós quando nos expulsou...”

“A corte de Elaine, talvez...”

“LUCA! Como pode ser tão fútil?”

“Fútil? Quem está sendo fútil é você, seu idiota! Preocupado com conspirações e planos malvados em um castelo escuro de uma província cheia de lama. Acha que está num romancezinho de um guilder a dúzia? Esta é a vida real! Tem um cadáver aqui em cima e a nossa carreira na corte de Courson está arruinada. E com o número de mulheres que nós encorajamos ao adultério nestes anos, assim que não formos mais os protegidos do marquês vai ter um espadachim por hora querendo a nossa pele!”

“Mas...”

“Cale-se! Chega disso. Quero descansar até que essa terra amaldiçoada esteja longe de nós, daí vou pensar em algo para tentar salvar nossa reputação.”

De repente, a carruagem parou. Gerard colocou a cabeça para fora da janela para perguntar ao cocheiro por que havia feito isso, mas pôde ver por si mesmo o tronco caído que bloqueava a estrada.

“Mas o que é isso?”

“Calma, senhor, só viemos aqui conversar. Creio que houve um grande mal entendido.” Veio uma voz dos arbustos. Deles saíram duas figuras, um homem e uma mulher que os ocupantes do coche.

“Você!” Rápido como um raio, Gerard sacou sua pistola e apontou-a para Giordano, que fez exatamente a mesma coisa. As armas estavam engatilhadas e prontas para disparar.

“Já disse, senhor. Só quero conversar. Há algo de podre naquele castelo, que tomou a vida do amigo de vocês e tentou me culpar.”

“Então abaixe sua arma.”

“Somente se abaixar a sua, senhor.”

“Você abaixa primeiro.”

“Só me dê sua palavra que irá baixar a sua.”

“Se você abaixar a sua...”

“Parem com isso, os dois! Gerard, abaixe essa pistola, você não conseguiria acertá-lo, mesmo. Diga, senhor Bernouilli, o que tem a nos contar?”

“Temo que antes de dizer precisaria fazer uma pergunta. Por que estão indo embora?”

“O eisenfurst nos expulsou. Não quer mais estrangeiros em sua casa. Agora você: não estava preso?”

“Estava, mas consegui escapar com a ajuda de um ilustre prisioneiro, que me contou várias coisas interessantes.”

“Continue.”

“O prisioneiro afirmou ser o irmão do eisenfurst, e pai daqueles dois jovens que trouxeram o homem que me acusou.”

“Absurdo. Eles me disseram que o pai deles estava em missão diplomática, e que havia lhes enviado uma carta para que viessem ajudar o tio.”

“Ele ficou surpreso ao saber que seus filhos estavam no castelo. Ele guardava uma certa semelhança física com o eisenfurst, e me deu este anel para que mostrasse aos filhos para provar que eu realmente havia falado com o pai deles. O anel parece ser feito daquele metal lendário que eles usam nas armaduras.”

Dracheneisen.”

“Sim. Além disso, o prisioneiro me disse que o lorde tem algum plano louco. Barganhas com pessoas e artigos que não foram feitos para serem negociados. Precisamos achar os gêmeos e levá-los ao seu pai.”

“Quando estávamos nos preparando para sair, os vi recebendo uma mensagem do capitão. Consegui escutar algo sobre uma ponte, então suspeito que eles vão para o mesmo lugar em que se reuniram com um informante para encontrar o homem que te acusou. Eles me disseram onde ficava o lugar hoje de manhã.”

“Devemos ir logo. Sinto nas tramas do destino que eles podem estar em perigo.” disse a strega Isabella.

 

Na ponte:

Os irmãos chegaram na hora precisa, acompanhados de alguns soldados. Vestiam mantos negros cobrindo sua armadura e capuzes sobre as feições. De longe, puderam ver a silhueta de um homem com uma capa longa marrom e chapéu parado no meio da ponte de pedra.

A quinze metros da ponte eles pararam e desmontaram. O homem não parecia ter notado a presença dos recém-chegados. Dugal chamou-o pelo nome de Rolf, e não obteve resposta, mas foi ao invés avisado de algo que ocorria na outra direção.

“Senhor, há uma carruagem em alta velocidade vindo em nossa direção.”

“Parece ser o coche dos músicos. O que eles estão fazendo?”

“É o Montaigne que está na boléia junto com o cocheiro?”

“Ele parece estar gritando alguma coisa. Pode ouvir?”

Antes que eles pudessem perceber que Gerard gritava que eles estavam em uma armadilha, tiros vieram da outra margem. Os primeiros arrancaram o manto de cima do mancebo que estava colocado no centro da ponte para parecer um homem, até que um certeiro atingiu o barril de pólvora que se escondia por baixo dele. A explosão lançou lascas de madeira e de pedra na direção dos irmãos e dos soldados. Dois cavalos e um dos guardas foram atingidos mortalmente pelos estilhaços, e dois outros guardas feriram-se gravemente. Mais tiros vieram mas desta vez na direção do grupo, que tentava se proteger da saraivada de balas.

A carruagem se aproximou e parou atrás deles. Em meio ao tiroteio, os irmãos viram os músicos e os primos Vodacce saltarem juntos e correrem em direção aos mosquetes deixados pelos soldados abatidos e retornar o fogo. Dugal e Jürgen também pegaram seus mosquetes em suas selas e dispararam na direção em que seus atacantes misteriosos deveriam estar. A pausa para recarregar servia para esclarecer algumas dúvidas.

“O que você está fazendo aqui? Não deveria estar no calabouço?”

“Viemos aqui porque achamos que vocês corriam perigo. Estávamos certos.”

“Mais um plano de assassinato seu?”

“Eu não matei o Montaigne, e tenho razões para acreditar que se há alguém envolvido nisso é o tio de vocês.”

“Se falar isso novamente arranco todos os dentes da sua boca, Vodacce.”

“As palavras de acusação não são minhas, mas de um senhor que conheci no calabouço e me deu um anel que deveria mostrar para os filhos dele. Um certo senhor Herman von Wische.”

“Mentiroso! Nosso pai está longe daqui.”

“Veja o anel por si mesmo.”

“Theus! Olhe isso, Jürgen, é mesmo o anel do nosso pai!”

“Isso só o coloca em piores lençóis, Vodacce. Até onde sabemos você pode ter roubado isso de nosso pai antes de viajar para cá.”

Neste momento os tiros da outra margem cessaram e pode-se ouvir o tropel de alguns cavalos se afastando. Logo o grupo se levantou e atendeu os feridos, enquanto continuavam a discussão.

“Eu não roubei nada. Eu não sou um ladrão. Vocês me revistaram ANTES de me colocarem no calabouço, e eu não tinha este anel então. Lhes digo, seu pai estava lá, me mostrou uma saída da cela e me deu o anel para que lhes avisasse que seu tio planejava alguma loucura da qual ele não quis fazer parte.”

“Senhores, eu estou inclinado a pelo menos investigar as declarações do Vodacce. Hão de admitir que a reação de seu tio em nos expulsar do castelo foi muito estranha. Como também foi estranho o fato de haver um convidado misterioso lá.”

“Do que está falando, senhor Denis?”

“Naquele dia em que bebemos juntos, ao voltar para o quarto vi uma aia levando comida para um quarto que supostamente estava vazio. Isso, combinado com as misteriosas ausências do seu tio e a reação dele ao que aconteceu, me deixaram muito intrigado.”

“Isso não é suficiente. Vocês deveriam estar longe daqui, e vocês dois em uma cela!”

“Eu lhes digo, seu pai corre perigo! Prefere correr o risco a acreditar em nós mesmo que por pouco tempo? Eu me coloco, e a minha prima, à sua mercê. Voltamos com vocês ao castelo, desarmados, e verificamos o calabouço.”

“Nosso tio ficará muito irado quando souber que demos ouvidos a forasteiros que mancham sua honra com calúnias!”

“Entenda homem, nós não temos mais nada a ganhar. Se quiséssemos só fugir já estaríamos bem longe daqui, e os músicos também. Voltamos porque há algo de estranho acontecendo aqui e queremos ajudar a fazer o que é certo!”

“Ou sua vingança é colocar-nos em uma situação constrangedora com nosso tio.”

“Agora já estão sendo ridículos. Iríamos arriscar nossas vidas só para fazer vocês passarem vergonha?”

“Certo. Concordamos. Dê-nos suas armas, vocês também, músicos, e vamos voltar para o castelo.”

 

Castelo von Wische

Deserto. Não havia guardas no portão, ou servos em qualquer lugar. O alojamento dos soldados estava vazio. A cozinha também, nem parecia que poucas horas antes uma dúzia de aias estivera lá preparando o desjejum.

Os guardas que retornaram com eles levaram os feridos para o alojamento e um deles foi atrás do médico que até aquela manhã estava lá. Os irmãos, os músicos e os Bernouilli desceram até o calabouço, indo em fila pela escadaria estreita e escura.

Como o resto do castelo, estava vazio.

“Bem, Vodacce, o que tem a dizer?”

“Ele estava nesta cela. Olhe aquele grilhão!”

“Realmente havia alguém preso aqui. Este sangue na algema é recente.”

“Onde será que estão todos?”

“Vamos verificar o quarto de nosso tio!”

O grupo subiu de volta para o piso térreo e de lá rumou para o salão principal. Dugal e Jürgen andavam em grandes passadas, e subiram as escadas dois degraus de cada vez. Foram direto à porta do estúdio de seu tio, que estava aberta, mas como o resto do lugar, vazio. A porta do quarto estava trancada. Bateram, mas não tiveram resposta.

Da outra ala, puderam ouvir a voz de Gerard os chamando. Praticamente correram pela distância que separava as duas alas, e os encontraram defronte à última porta do corredor.

“Esta é a porta onde eu vi uma aia levando comida naquele dia. Vejam! Uma poça de sangue escorrendo de dentro!”

“Ora, abra a porta!”

“Está trancada!”

Dugal imediatamente tomou impulso e atingiu a porta com um encontrão. As dobradiças cederam um pouco e algumas ripas de madeira se desconjuntaram, mas a porta era solidamente construída e resistiu, no momento. Quando Dugal deu um passo pra trás para tomar outro impulso, seu irmão já arremetia com seu ombro na direção da porta, que agora não pôde resistir. Ficou pendurada por um pino, mas nenhum dos presentes ligava para o destino da porta.

Estavam mais interessados no cadáver retalhado no chão do quarto. Tinha inúmeros cortes no torso e braços, e um ferimento que destruíra o lado direito do seu rosto. Ainda era possível distinguir, pelo que restava das feições e pelos farrapos de roupa, o médico que havia atendido Maurice.

“Theus!”

“Que está acontecendo aqui?”

“É como dissemos, algo de muito estranho?”

“Me pesa muito dizer isso, Jürgen, mas me sinto inclinado a acreditar neles. Nosso tio está sujo com alguma coisa, e precisamos descobrir o que é!”

“Concordo, Dugal. Vodacce, diga exatamente o que a pessoa que afirmava ser nosso pai lhe disse.”

“Algo sobre barganhas com gente que não deveria, e riquezas que não foram feitas para negociar. Sobre como ele havia enlouquecido, duvidando de Theus e de Eisen. Que seu objetivo era restaurar a glória de Wische.”

“Uma barganha. O que poderia ser?”

“Talvez algo... diabólico? Um pacto com Legião? Ele falou em dúvida com Theus. Talvez o médico e até Maurice tenham sido sacrifícios!”

“Possível, mas muito improvável. Nosso tio realmente teve uma ‘crise de fé’ devido à guerra, mas não creio que chegaria a ponto de se tornar um herege.”

“E ele falou em ‘pessoas’ com quem não se deveria barganhar.”

“E mercadorias que não podem ser negociadas... mas o que não pode ser negociado?”

“Sua alma?”

Jürgen socou com a panzerhand o que restava da porta e a arrancou de seu suporte. A pesada porta de carvalho caiu com um estrondo. Jürgen levantou seu punho e olhou a luva metálica ornada, feita para se assemelhar com as escamas de um dragão. Leve e resistente, confortável e mortífera.

“Não a alma dele. A alma de Eisen. Dracheneisen.”

“Ele seria capaz disso?”

Dracheneisen é tão importante assim?”

“É o que une a nobreza de nossa terra, senhor Bernouilli. Os Montaigne têm seu Porte, os Vodacce têm suas ilhas, e nós temos Dracheneisen. A posse de uma mina lhe dá o direito de domínio sobre a terra. O eisenfurst de Frieburg conseguiu seu status encontrando um veio durante a guerra. O imperador proíbe o comércio de Dracheneisen. A posse de artigos feitos deste metal só é permitida a nobres ou pessoas que portem documentos que comprovem que este direito lhe foi garantido por um nobre; e esta permissão a estrangeiros só é permitida por um eisenfurst. Mas isso somente em casos de recompensa por atos de extremo valor realizados.”

Dracheneisen é mais duro e mais leve que aço. Uma armadura feita com ele pode parar uma bala de mosquete. Uma espada de Dracheneisen como estas que eu e meu irmão temos mantém o fio e é quase inquebrável.”

“Muita gente fora de Eisen gostaria de ter acesso a este metal. As vantagens não são só militares. Construções mais altas e sólidas podem ser erguidas com a aplicação de alicerces leves e resistentes.”

“E o que podemos fazer agora? Onde estarão?”

“Se queriam Dracheneisen, só há um lugar. As minas.”

 

continua...