Negócios e acordos

Capítulo 2

 

Noite, 3 de Tertius

O grupo de Montaigne retornou ao castelo ao anoitecer. Encontraram os nobres Eisen no salão principal sentados em frente a lareira, visivelmente impacientes.

“Ah. Eu estava quase dizendo a Wiedrekher mandar guardas procurar por vocês. Achei que não iriam voltar mais. Devo ordenar que o jantar seja servido agora?” disse o eisenfurst antes que seus irritadiços sobrinhos se adiantassem.

“Meu senhor, não havia necessidade de esperar-nos para saciar sua fome. Por favor, aceite minhas mais humildes desculpas por deixar vossa senhoria e seus honoráveis sobrinhos famintos.” desculpou-se Maurice.

“Suas desculpas serão melhor engolidas junto com carne e cerveja. Vão se refrescar e desçam para comermos.”

Os quatro se dirigiram aos seus aposentos. Quando estavam longe o suficiente para que não pudessem ouvir, o eisenfurst continuou o que estava dizendo antes de ser interrompido pela chegada dos Montaignes.

“Bem, vamos tentar terminar isso antes que eles voltem. Os camponeses se sentem furiosos, quem pode culpá-los? Nós estávamos irritados porque nosso jantar foi atrasado por uma hora, o que dizer de um waisen que não come há dias? Por outro lado, um governante não pode deixar que as massas se coloquem acima do seu lugar. Decisões difíceis como essa representam os dilemas do governo. Jürgen estava certo de tentar aplacar o homem com palavras, e Dugal estava certo em reagir rapidamente a uma ameaça à autoridade. Um escritor Vodacce uma vez disse que um governante deve evitar utilizar soluções drásticas para resolver problemas, mas que quando elas são inevitáveis devem ser aplicadas poderosamente e de uma vez só. Se vocês continuarem a contrabalançar as falhas um do outro, com certeza serão um dia os maiores governantes da história de Eisen. Mas até lá lembrem-se do conselho de Wiederkher. Nunca discutam assuntos de estado em público... eles estão de volta, continuamos uma outra hora --- Então, ouvi dizer que houve alguns problemas com sua obra, monsieur Denis.”

“Encontramos dificuldades no começo do dia devido ao meu instrumento não ter resistido bem aos rigores da viagem de Montaigne até aqui. Reparos se provaram eficientes e os resultados da tarde foram muito satisfatórios. É uma pena que seus sobrinhos não estavam lá para ver a performance se desenrolar sem imprevistos.”

“Sempre ouvi que os maiores artistas se revelavam frente ao aleatório, e que se eximem na sua capacidade de improvisação. Como reagiria se tal se desse na apresentação final?” provocou Dugal.

Podiam se ver chamas dançando nos olhos de Gerard. Se olhar matasse, Jürgen seria o único governante no futuro de Wische.

“Mas vejo que você não passou pelo ensaio incólume, monsieur Larue. Onde conseguiu este machucado na testa?” o eisenfurst disse tentando mudar o assunto.

“Isto? Eu preciso aprender a olhar por onde ando. Tropecei e caí com a cabeça em um pedregulho. Sangraria até a morte provavelmente, se Luca não estivesse lá para me ajudar.”

“Que terrível! Parece que sua comitiva está com muita má sorte.”

A conversa continuou durante o jantar. Arnoud foi o primeiro a pedir licença e se retirar. Maurice foi-se logo após, com o eisenfurst o seguindo menos de 10 minutos depois. Isso deixou os músicos sozinhos com os irmãos. Já que Luca não falava Eisen e os irmãos não falavam nenhuma língua estrangeira a conversa era um tanto limitada e era mantida com muito álcool. Cerveja escura e aguardentes Eisen que os irmãos chamaram de Schnapps e Steinheiger. Era quase meia noite a hora que os quatro foram para seus quartos, todos bastante ébrios. Os irmãos foram para a ala esquerda, em seus quartos ao lado do quarto do próprio eisenfurst, enquanto os músicos foram para a ala direita. Luca entrou em seu quarto cantarolando uma melodia Vodacce da sua infância.

Antes de entrar em seu quarto, Gerard esfregou os olhos. Podia jurar que quando viraram o corredor viu uma aia entrando no último quarto do corredor com um prato cheio de comida. Mas não havia ninguém naquele quarto, por que aquilo?

Entrou em seu aposento e fechou a porta, caindo no chão e dormindo por lá mesmo.

 

Manhã, 4 de Tertius

Dugal acordou como se uma dúzia de dragões houvessem decidido dançar em sua cabeça. Percebeu que dormira de armadura, e seu corpo inteiro doía. Sua cabeça pesava como um boi, e sua boca tinha um gosto muito ruim. Abriu as cortinas de seu quarto e descobriu que não faltava muito para o meio dia. Removeu a couraça e tirou a roupa suada debaixo. Lavou-se o melhor que pode em uma bacia e pegou roupas limpas no baú. A primeira coisa que fez foi ir ao quarto do seu irmão e abrir a porta que como supunha estava destrancada. Jürgen ainda estava na cama.

“Jürgen... está tarde. Levante.”

“Hauhhhgmmmfnnn. Estou... indisposto.”

“Vamos lá, uma criança teria bebido mais do que você. Levante-se!” disse, tentando esconder o seu próprio desconforto.

“Não. Não estou me sentindo bem. Creio que não sairei da cama hoje.”

“Tudo bem. É a sua vida, você sabe o que faz dela.”

 

Em outro quarto...

Gerard se sentia mal. Se ele estava ruim, sentia pena dos irmãos, que haviam bebido duas vezes mais do que ele. Mas sua mente estava funcionando bem com sempre. Ele agora tinha certeza de que vira uma serva entrando em um quarto vazio com um prato de comida na noite anterior. E ele tinha uma ótima memória para rostos. Se vestiu lutando contra a preguiça trazida pela ressaca. Se esforçava para parecer o melhor possível, precisava de sua beleza para o que tinha em mente.

Desceu as escadas e foi direto para a cozinha. Nenhum servo tentou detê-lo, então pôde andar livremente procurando pelo rosto que viu na noite anterior. Se lembrava-se corretamente, já que era uma garota bem bonita. Pequena, rosto arredondado, cabelos loiros na altura dos ombros e pele bem branca. Olhando em volta, parecia que seria um trabalho fácil, eram quase todas velhas ou mocinhas de cabelos castanhos. Após alguns minutos, viu sua presa no poço tentando puxar um balde de água. Quando Gerard chegou por trás dela, deixou suas palavras fazerem o trabalho agora.

“Eu sei exatamente o que você pode fazer com esta água,” disse Gerard, assustando-a de um jeito que quase a fez derrubar o balde, “pode aquecê-la a levar para o meu quarto para eu tomar um banho. Em cinco minutos.”

“S-s-sim, milorde. Será feito.” disse a moça.

Gerard voltou ao quarto e tirou as roupas, substituindo-as por um robe de seda, um presente de uma duquesa satisfeita. Sentou no sofá e aguardou até que uma batida na porta indicasse que seu plano estava funcionando.

“Sua água, milorde.”

“Poderia entrar e me ajudar com isso, por favor?”

 

Uma hora depois...

Gerard brincava gentilmente com os cachos dourados do cabelo dela. Beijando seu ombro exposto, tirava suaves sons de aprovação da aia. Subindo em cima dela, segurou um de seus braços com uma mão, enquanto a outra acariciava sua face.

“Sabe, eu sei um segredo seu.”

“Que eu não sou mais virgem?” disse, sorrindo, a jovem.

“Eu vi você levando comida para o quarto no final do corredor ontem.”

Ela arregalou os olhos e tentou se desvencilhar de seu inquisidor. Mas o peso de Gerard e sua mão apertando seu braço a manteve no lugar.

“Não há como escapar. Diga, o que há de importante neste segredo? Só quero saber quem está naquele quarto.”

“Não sei. Nunca vi ninguém lá. O lorde me deu ordens para levar comida àquela sala toda noite desde a semana passada. Deixo o prato mas não vejo ninguém. O lorde me fez prometer não contar a ninguém. Ele arrancará minha cabeça por isso. E a sua também!”

“Só se ele souber que você me contou...” disse ele, beijando os lábios da moça.

 

Alhures...

Dugal encontrou Wiederkher no salão.

“Bom dia, hauptmann. Onde está meu tio?”

“Lorde Wische foi às minas hoje. Ele queria levar vocês, mas não quis acordá-los e saiu sozinho com uma tropa. Deve voltar ao anoitecer.”

“E os convidados?”

“Só vi o senhor Larue. Tomou um cavalo e disse que iria passear pelo campo. Ele disse que também estaria de volta ao anoitecer.”

“Foi escoltado?”

“Não, milorde. Ele recusou.”

“E o guarda-costas dele?”

“Quer dizer o mosqueteiro? Ele saiu ontem à noite do alojamento e aparentemente não voltou até agora.”

“Isso é preocupante. Se ele não voltar até a noite, me avise.”

 

Noite, 4 de Tertius

Quatro homens estavam no salão principal ao anoitecer. Dugal von Wische, Jürgen von Wische, Gerard Denis e Luca de Montenero estavam sentados em frente a lareira quando o eisenfurst Reinhard von Wische voltou, conversando casualmente com Maurice Larue. Tão logo o lorde teve tempo para se lavar e trocar de roupas o jantar foi servido e todos se sentaram para comer, o que fizeram silenciosamente por aproximadamente uma hora.

“Bem, parece que essa pequena viagem até as minas me deixou cansado. Vou me retirar, boa noite a todos.” disse Reinhard.

Wiederkher apareceu na porta quinze minutos depois que o eisenfurst se recolheu. Fez um gesto para os dois irmãos, que pediram licença e saíram, encontrando-se com ele no pátio.

“Aparentemente o mosqueteiro ainda não apareceu.” disse o homem calvo.

“Soube mais alguma coisa?”

“Disseram que ontem ele saiu, perguntando a um dos guardas onde podia achar um... bordel. O guarda indicou uma taverna na cidade.”

“Pode nos ensinar como chegar lá?”

“Claro.”

 

Pouco depois...

A taverna estava bastante cheia. Música alegre escapava pela porta e pessoas entravam e saiam como formigas. Dois vultos em mantos pretos entraram tentando não chamar a atenção, e um deles foi na direção do bar.”

“Bem-vindo. O que vai ser?” disse o homem no balcão.

“Informação,” respondeu Dugal, “Tenho razões para acreditar que um Montaigne veio aqui ontem. Um metro e setenta, cabelo preto comprido e talvez vestisse um manto azul com um sol amarelo desenhado. Você o viu aqui?”

“Vou confessar que não notei tal figura aqui, mas talvez conheça alguém que possa lhe ajudar. Conhece todo mundo por aqui e talvez tenha visto seu homem. Ele não está aqui ainda, mas deve chegar em breve. Se puder esperar, pegue uma mesa e eu o mandarei até você assim que ele chegar.”

“Ótimo. Me dê duas canecas de cerveja, então.”

“Dugal e Jürgen esperaram por meia hora antes que um homem baixo de cabelo castanho curto viesse ter com eles.

“Ouvi dizer que talvez vocês queiram conversar comigo. Meu nome é Rolf, como posso ajudá-los?” disse ele com uma voz rouca.

“Temos razões para acreditar que um homem Montaigne esteve aqui ontem. Tinha um metro e setenta, cabelo preto comprido e talvez estivesse vestido com um manto azul com um sol amarelo desenhado.”

“Vi um Montaigne aqui ontem. Sem o manto de mosqueteiro que você descreveu, mas o resto da descrição bate.”

“Bem? Continue.”

“Ele chegou aqui bem tarde, e saiu daqui com uma mulher, bastante embriagado. Curiosamente, um outro homem parecia interessado nele. Parecia que o estava seguindo. Esse segundo homem não é desconhecido por aqui, é um rufião. Talvez seu amigo esteja em perigo.”

“Você pode localizar esse homem?”

“Posso tentar achá-lo, mas não de graça. As vezes eu trabalho para hauptmann Wiederkher, e ele sempre paga bem pelo que eu tenho pra dizer.”

“E quanto a informação iria nos custar?”

“50 guilders. Adiantados.”

“É um preço muito alto para ser pago adiantado. Não temos esse dinheiro conosco.”

“Não tentem me enganar. São nobres. Posso reconhecê-los sob os capuzes, Dugal e Jürgen von Wische. Se quiserem seu homem, vão pagar agora.”

Dugal enfiou a mão em uma bolsa e passou ao homem um maço de notas tão discretamente quanto possível. O homem sorriu e disse:

“Ótimo. Devo saber de algo amanhã. Eu mando um recado para vocês.”

 

Manhã, 5 de Tertius

A alvorada chegou junto com uma carruagem aos portões do castelo, trazendo o emissário de Vodacce para ver o eisenfurst. O portão se abriu e deixou o coche entrar para deixar seus passageiros em frente à grande porta. Um homem de cabelos e barba negros saiu da carruagem e ofereceu sua mão a uma moça que descia, vestindo um vestido verde escuro e um delicado véu sobre o rosto. Um guarda veio ter com eles.

“Temo que lorde Wische ainda esteja em seus aposentos. Posso levá-los ao salão principal, onde podem aguardá-lo.”

Passaram pela porta e por um corredor largo, entrando em uma grande sala com uma lareira gigante, sofás e uma mesa de jantar. Sentaram-se nos sofás e beberam do leite com mel que lhes foi trazido por uma aia até ouvirem barulho de metal vindo das escadas. Ambos viraram-se para ver um homem alto, louro, com cabelos curtos e bem barbeado, vestindo peças de armadura brilhante com um traje branco.

“Vocês devem ser os enviados da família Bernouilli.”

“Sim, milorde. Eu sou Giordano Bernouilli, e esta é minha prima Isabella.”

“Uma visão incrível,” disse ele pegando a mão dela e beijando-a, “eu sou Reinhard von Wische, e vocês são meus convidados. Sintam-se em casa, e sejam bem-vindos para ficar o quanto quiserem. Sobre os negócios, creio que poderiam esperar até hoje a tarde depois do almoço para uma pequena reunião, não?”

“Me parece ótimo, senhor.”

“A chuva os atrasou, não? Eu os esperava ontem.”

“Exatamente, milorde. Peço perdão por nosso atraso.”

“Não foi sua culpa, rapaz. Este incidente não irá prejudicá-lo na disputa.”

“Disputa?”

“Oh, você não sabe? Um nobre Montaigne está interessado no mesmo tipo de acordo que a sua família. O grupo deles está conosco desde o começo da semana. Até agora vocês têm uma boa oferta, mas o acordo vai para quem oferecer mais. Seja bem-vindo. Os servos lhes mostrarão seus aposentos. Há alguns assuntos que eu preciso resolver pela manhã, os vejo no almoço. Milady...” despediu-se o eisenfurst, curvando-se para a dama.

Von Wische deixou a sala e Giordano permaneceu onde estava, olhando para o nada. Isabella, veio ao seu lado, beijou-o no rosto e disse:

“Boa sorte. Vai precisar.”

 

Após o almoço...

Giordano e Maurice entraram no estúdio do eisenfurst. Lá encontraram uma bela mesa de carvalho e cadeiras confortáveis nas quais se sentaram. Reinhard entrou por uma porta à direita, diferente da que eles entraram, e sentou-se do outro lado da mesa em uma poltrona ornamentada.

“Vamos ver...

Maurice Larue, emissário do Marquês Hughes de Courson d’Aur me traz uma proposta tentadora. 120 mil guilders por um contrato de um ano, no qual nos comprometemos a entregar 30 toneladas de minério de ferro por mês a caravanas vindas de Montaigne, que o levarão para o ducado d’Aur. A soma será paga em três parcelas, em títulos emitidos pela própria Guilda Vendel, em três meses.

Giordano Bernouilli, que representa sua família de Vodacce, pelas mesmas 30 toneladas mensais, durante um ano, oferece uma soma em ouro equivalente a 30 mil guilders entregue imediatamente, e as caravanas que vierem buscar o minério mensalmente trarão consigo 20 toneladas em grãos, verduras e legumes da sua província, e duzentos e cinqüenta quilos de especiarias direto da terra dos Crescentes como parte do acordo.

Com estes termos, devo dizer que a oferta de Bernouilli é a mais apropriada. Embora Courson ofereça mais em valores brutos, a soma evapora quando temos que negociar com outras partes pelo que realmente nos interessa: comida. E isso é o que o Vodacce oferece logo no início. O que tem a dizer, meu amigo Maurice?”

“Meu senhor, o Marquês Courson, me autorizou a aumentar a oferta dentro de certos limites. Em sua visão, milorde, qual soma poderia suplantar a oferta de Vodacce?”

“Meus cálculos indicam que 170 mil é o valor ‘real’ da oferta de Bernouilli.”

“Isso com certeza está dentro dos meus parâmetros. Pode considerar 180 mil como minha nova oferta, o adicional oferecido como uma quarta parcela.”

“Tem algo a dizer, signore?”

“Creio que poderíamos oferecer mais o equivalente em 20 mil guilders em ouro, senhor. Comida está além de nossa capacidade, não podemos oferecer mais sem deixar nosso próprio povo passando necessidade.”

“Compreendo. Bem, monsieur Larue, a oferta de Bernouilli equivale a 190 mil guilders.”

“Eu aumento a minha para 195 mil.”

“Giordano?”

“Podemos dobrar a entrega mensal de especiarias. Creio que isso valeria pelo menos mais 10 mil guilders ao longo de um ano.”

“Meus cálculos confirmam isso. Maurice?”

“210 mil.”

“Giordano?”

O jovem coçou a cabeça. Ele já tinha ido além das especificações dadas por seu pai, 5 mil que iriam ter que sair de algum lugar. Não podia subir mais.

“N-não sei. Temo que preciso de algum tempo para pensar.”

“Bem, o tempo é agora. Mas posso aguardar um pouco antes de tomar minha decisão final. Daqui a três dias podemos nos reunir de novo, o que dará tempo aos músicos de Maurice de executar sua peça e de Giordano pensar em sua oferta.”

Giordano se sentia derrotado. Suas mãos estavam atadas.

 

Em outro lugar...

Os irmãos receberam um recado de Rolf logo depois que o seu tio subiu para conversar com os emissários. Eles queriam participar da reunião mas seu tio não permitiu, e a procura pelo desaparecido Arnoud ocupava então sua atenção.

A mensagem dizia para eles o encontrarem em uma ponte na estrada, fora da cidade. Levaram consigo seis guardas e chegaram ao lugar após 15 minutos a cavalo. Era uma ponte de pedra sobre um pequeno córrego que separava o descampado do lado deles de uma pequena floresta do outro. Rolf esperava-os sentado na mureta da ponte.

“Olá, Rolf. Recebemos seu recado. O que tem para nós?”

“Parece que o homem de que lhes falei realmente está sujo. Andou por aí ontem pagando bebidas a todos e se gabando de ter emboscado, roubado e matado um espadachim Montaigne.”

“E...”

“Aparentemente depois se arrependeu de sua gabolice e fugiu. Meus contatos me dizem que ele costuma se esconder por perto, uma cabana meio quilômetro daqui, na floresta.”

“Pode nos levar lá?”

“Vocês pagaram o preço, não?”

 

Mais tarde...

O punho nu atingiu a barriga do criminoso. Encontrado em sua choupana, com uma bolsa cheia de moedas e a túnica de Arnoud em seu poder. Jürgen e Dugal estavam trabalhando em sua “confissão”, mas não esperavam se surpreender tanto com o resultado.

“Podem me bater o quanto quiserem, nunca vou entregar quem me contratou para matar o Montaigne!”

Os dois irmãos se entreolharam. Eles supunham que houvesse sido um roubo seguido de morte, mas um assassinato encomendado era o que tinham nas mãos. A bravata do homenzinho não durou muito, entretanto. Após mais uma dezena de golpes, ele soltou sua língua em meio a uma golfada de sangue:

“Eu confesso! Um Vodacce me contratou para fazê-lo! Ele e sua irmã me pagara para tirar o mosqueteiro de seu caminho, e para conseguir-lhes uma medida de arsênico!”

Pela segunda vez na mesma hora, Dugal e Jürgen se viram surpresos.

 

Noite, 5 de Tertius

“Um brinde! Vamos beber deste finíssimo Falisci que meu amigo Bernouilli nos trouxe, e desejar que todos saiam daqui com o que queriam quando chegaram!” Disse Maurice durante o jantar.

“Sim,” respondeu o eisenfurst, “e que nós consigamos encontrar um novo veio de minério, para sermos capazes de aceitar ambas ofertas e agradar a todos.”

Giordano não aceitou o vinho que trouxe. Não tinha vontade de beber e comemorar. Sabia que estava em maus lençóis. Não podia aumentar mais a oferta, não havia tempo para falar com seu pai a não ser que conseguisse encontrar um mensageiro Porté, e os Montaigne mesmo assim poderiam aumentar ainda mais. Sua missão havia falhado, e ele desperdiçou a única chance que lhe foi dada na vida.

Maurice tomou um grande gole do Falisci tinto. Antes que Reinhard tivesse chance de tomar o seu, a mão de Maurice o impediu:

“Não milorde! Este vinho tem um gosto estranho... ARGH! Meu... estômago!”

Maurice caiu de sua cadeira agarrando sua barriga, aparentando grande dor. Luca e Gerard pularam de seus assentos, ajoelhando-se ao seu lado enquanto Reinhard jogava o conteúdo de seu copo ao chão.

“O que é isso? Veneno? Vodacce, o que fez?”

Giordano estava atônito. Que diabos era isso? O vinho tinha vindo direto da adega de seu pai, e ele não havia tocado a garrafa até momentos atrás!

“É impossível! Deve ser algo na comida! Eu não seria tão estúpido a ponto de envenenar um homem tão abertamente assim!”

“Bom argumento, mas dizem que o melhor esconderijo é sob as vistas de todos...” disse seu conterrâneo Luca, enquanto tentava reanimar Maurice.

“Ninguém está acusando ninguém por enquanto. Vamos cuidar de Maurice antes de tirar conclusões precipitadas.” tentou acalmar Gerard.

“Alguém traga um médico, pelo amor de Theus!” bradou o eisenfurst.

Foi quando os dois irmãos entraram na sala trazendo um homem amarrado e ensangüentado consigo.

“Dugal, Jürgen, o que é isso?” disse o tio.

“Algo que talvez tenha a ver com o que está acontecendo aqui.”

“É o senhor Larue. Parece que ele comeu algo estragado...” dizia Giordano.

“Ou bebeu algo envenenado.” Completou Luca, enquanto segurava a cabeça de Maurice.

“O fato é que ele está com muita dor. Já mandei chamar um médico.” Finalizou o eisenfurst.

“Bem tio, aparentemente a teoria do veneno tem fundamento.” Disse Dugal.

“Sim,” continuou Jürgen, “Vodacce, permitira que seus pertences fossem examinados por nós?” disse, virando-se para Giordano.

“O que? É claro! Não tenho nada a esconder.”

“E a senhorita?”

“Procure o que quiser, contanto que seja cuidadoso com minhas coisas.”

“Se puder me acompanhar e a estes guardas, milady, poderá observar enquanto revisto suas coisas e de seu primo.”

Jürgen subiu pela escada com os guardas e Isabella, enquanto Dugal segurava o prisioneiro, Reinhard e Giordano andavam em círculos, e Luca e Gerard cuidavam de Maurice. Não demorou muito para voltarem, e os guardas cercaram Giordano e sua prima. Dugal começou:

“Tio, notamos a ausência do guarda-costas que acompanhava o grupo de Montaigne ontem. Investigamos um pouco e descobrimos uma estória de assassinato que nos levou a este homem. Ele alega ter sido contratado por um homem e uma mulher para fazê-lo. Diga, cão, vê seus contratantes aqui nesta sala?”

“Sim, são eles ali.” Disse ele apontando.

“Mentiroso!” Gritou Giordano, movendo sua mão em direção à sua espada mas que foi impedida pelo toque suave de sua prima. “Nunca vi este homem em minha vida!”

“Jürgen?”

“O homem também alegou ter lhes vendido uma dose de arsênico. Encontrei este pequeno frasco em meio a bagagem da moça, ainda com alguns restos de um pó cinzento.”

“Que pilhéria é esta? Isabella, de onde veio este vidro?”

“Nunca o vi antes, Giordano, mas realmente estava em minhas coisas!”

“Tio, parece que o Vodacce não concordou com uma disputa leal e trouxe traição e mentiras à baila.”

“Não! Isso é uma armação!”

“BASTA! Levem Maurice ao seu quarto! Onde está o médico? E você, Vodacce, não sei se fala a verdade, mas até que esta se mostre você irá a ferros, e sua prima confinada em seus aposentos. Guardas, levem-nos!”

 

Algumas horas depois...

O médico veio e atendeu Maurice, que estava muito mal. Tremia e dizia que tinha muita dor em seus raros momentos de lucidez. O médico dizia estar fazendo o possível mas que dificilmente conseguiria salvar o cavalheiro Montaigne.

Um guarda chamou hauptmann Wiederkher de lado e lhe sussurrou uma estranha notícia.

“Você vai ter que repetir, pois não entendi.”, disse Wiederkher após ouvir o que o guarda disse.

“A mulher desapareceu do quarto. Os dois guardas que a vigiavam aparentemente apunhalaram-se um ao outro, um está morto e o outro muito mal. Não há sinal dela em lugar algum do castelo.”

 

No calabouço...

Giordano olhava em volta de sua cela úmida e fedida. Não estava acorrentado, mas barras de ferro tão largas quanto seu pulso o cercavam.

Havia sido incriminado. Alguém concebera um plano para matar o Montaigne e culpá-lo, mas não conseguia ver quem poderia se beneficiar com a morte de Maurice... a não ser ele próprio. Mas ele não havia feito nada. Teria Isabella agido por conta própria?

Notou que havia um homem na cela ao lado. Alto e de ombros largos, deveria estar lá há um bom tempo, parecia desnutrido e tinha cabelo e barba loiros desgrenhados e sujos. Estava algemado pelo braço à parede, e após mirá-lo por alguns segundos o homem acordou. Esfregou os olhos e coçou o pulso perto do grilhão, quando notou a presença de Giordano:

“Quem é você e por que está aqui, meu jovem? Mais uma vítima da maldição que assola essa província?”

“Meu nome é Giordano. Vim em uma missão diplomática trazendo uma proposta ao eisenfurst Reinhard von Wische e fui acusado falsamente de traição e assassinato de dois Montaignes. E o senhor, que crime cometeu?”

“Meu único crime é ser irmão de um louco. Meu nome é Herman von Wische, irmão do eisenfurst Reinhard von Wische, e que Legião amaldiçoe sua alma!”

 

continua...