Negócios e acordos

Este conto é baseado nos acontecimentos de uma campanha de 7thSea iniciada em 1999. As honras não deveriam ser completamente minhas, mas sim distribuídas também entre os jogadores que desempenharam seus papéis de acordo com seus próprios estilos...

Em relação a cronologia oficial do mundo de 7thSea... quando eu comecei essa campanha eu ainda não havia adquirido os suplementos - só tinha o Players e o GM -, então os acontecimentos da província de Wische diferem muito do que está no livro de Eisen. Outras discrepâncias também aparecem, mas não devem ficar no caminho da estória.

Elenco:

Alfredo (Alf) como Dugal von Wische

Américo (Magoo) como Jürgen von Wische

Gustavo (Gordo) como Gerard Denis

Leandro Kumm como Luca de Montenero

Thiago (Cabello) como Giordano Bernouilli

Participação especial de Fabiana Makiyama como Isabella Bernouilli

 

Prólogo: Dugal & Jürgen

Ataque. Defesa com a panzerhand. Contra-ataque. Aparo com a espada. Soco. Esquiva. Estocada. Desta vez a defesa não foi rápida o suficiente, e o dracheneisen da espada atingiu sonoramente o lado direito da couraça do mesmo metal. O espadachim de cabelos compridos sorriu enquanto seu oponente checava a armadura procurando por danos, e enfim proferindo obscenidades quando encontrou um arranhão na altura das costelas. Um riso de escárnio precedeu a bravata:

“Empatados novamente. Você parece cansado, Dugal. Quer parar um pouco?”

“Se existe algo mais desajeitado que a sua espada é a sua língua quando tenta fazer tiradas ‘inteligentes’, Jürgen. Você luta como um Montaigne afeminado.”

“Ah, irmão, levante seu punho então, e vamos ver quem é desajeitado depois que eu arrancar sua perna fora!”

“Cá está meu punho! E agora, se importaria em me mostrar sua delicada mãozinha Montaigne?”

“Ui Mêssi, prepare-se para sua pior surra desde quando tínhamos 10 anos...”

O bigode escondeu o sorriso de Dugal. Sua mão esquerda apertou o cabo da espada, enquanto cerrava os dedos da mão direita dentro de sua panzerhand. Ser canhoto lhe dava uma ligeira vantagem ao atacar seu irmão, mas Jürgen era bom na defesa. Ele precisava ser cuidadoso se quisesse vencer essa disputa. Jürgen esperava em posição, com o punho esquerdo levantado e a lâmina na altura da cintura, preparada para estocar.

Quase todos os outros alunos da academia achavam que Dugal era mais velho, mas na verdade ele e Jürgen eram gêmeos idênticos. A confusão nascia do fato de Dugal usar o cabelo curto e cultivar um volumoso bigode louro, enquanto Jürgen mantinha seus cabelos compridos e a face bem barbeada. As personalidades também eram um tanto diferentes, sendo Dugal um pouco mais impulsivo (o que contrastava com sua aparência de mais velho).

A atenção de ambos estava focada na luta, e nenhum deles percebeu a entrada de um homem de uniforme vermelho entrar na arena de treinos onde os dois conduziam sua disputa. Dugal mudou de posição e girou sua espada em um arco largo, colocando-a a sua frente. Seu irmão não caiu em sua armadilha, e levantou sua espada deixando-a paralela com seu braço livre, estendidos. Dugal balançou sua espada novamente, desta vez mirando a arma de Jürgen. O golpe foi aparado e as duas lâminas se prenderam por um breve momento. Ambos os guerreiros recuaram suas panzerhands, preparados para acertar...

“Dugal! Jürgen!”, gritou o sargento atrás deles, e num piscar de olhos os irmãos estavam em posição de sentido, com suas espadas devidamente embainhadas na cintura. Embora de origem nobre, seu pai havia dado instruções na academia militar para que não fossem tratados diferente dos outros estudantes: duramente e com disciplina severa, não diferente da educação que tiveram em casa quando crianças.

O instrutor fitou-os por um instante antes de continuar: “Descansar”, ele disse, retirando um envelope da sacola de couro que carregava. “Carta para vocês”. Dugal pegou o envelope, reconhecendo o selo von Wische em cera lacrando-o. Jürgen posicionou-se atrás dele e olhava por cima de seus ombros enquanto abria e lia a missiva.

 

Meus filhos,

Como sempre, estou muito orgulhoso de vocês e de seu progresso no treinamento militar. Estou muito satisfeito com os relatórios que recebi de seus instrutores. Mas não foi só para parabenizá-los que estou escrevendo esta carta.

Meu irmão, seu tio, eisenfurst deste konigriech, Reinhard von Wische, pediu minha ajuda em assuntos de estado. Em breve parto para cumprir deveres diplomáticos nos outros konigrieches e em outras nações, e estarei longe por um bom tempo. Enquanto isso, ele pede que vocês o ajudem na capital, pois ele tem alguns afazeres que especificará quando vocês lá chegarem, no segundo dia de Tertius. Já requeri uma dispensa da academia para vocês.

Deixem-me lembrá-los que vocês estão logo depois de mim na linha de sucessão do trono. Aprendam com Reinhard como lidar com o governo, pois está em seu destino governar este konigriech no futuro. Ele aspira acabar de reconstruir esta província ainda em sua vida, mas temo que essa tarefa caberá a vocês terminar no futuro. Sirvam-no bem. Façam-me ter orgulho de suas habilidades cívicas tanto quanto das militares.

Seu pai,

Herman von Wische

 

“Isso nos dá só uma semana para chegar lá.”

“Então vamos arrumar nossas coisas e partir amanhã. A chuva arruinou as estradas, a viagem será demorada.”

“Faça isso. Eu vou ver com o instrutor se está tudo certo com a nossa dispensa.”

 

Prólogo: Giordano Bernouilli

Giordano coçava a cabeça, como sempre fazia quando estava nervoso. Seu pai o chamara, e ele nunca fazia isso. Foi por isso que ele seguiu a carreira de espadachim, porque seus três irmãos mais velhos já supriam todas as necessidades do seu pai.

Ele não havia feito nada de errado. Claro, o duelo era supostamente para ser até o primeiro sangue, mas quem poderia culpá-lo, se o Avalon chamou sua mãe de coisas tão horríveis? E agora seu pai iria puni-lo, e provavelmente cortar seu dinheiro, e na falta desta renda ele teria que voltar a aceitar contratos para duelar...

A porta abriu e a voz de seu pai o chamou. Giordano entrou rápido e sentou-se, sem falar uma palavra. Seu pai calmamente foi até a estante e abriu uma garrafa de Falisci e encheu dois copos, entregando um para Giordano, que mudou de posição e descruzou as pernas, nervoso com a espera. O velho tomou um gole, enquanto Giordano esvaziou seu copo de uma sóvez.

“Filho...”

“Eu sei, eu sei, eu fui descuidado, e sei também que o Avalon era um nobre e que a família dele agora quer a minha pele mas o senhor precisa entender que...”

“Não, não, meu filho” seu pai disse sorrindo. “Não estou preocupado com o rapaz que você matou. A família dele tinha negócios com os Caligari, e o problema é deles. Agora aquele velho saco de ossos vai ter um belo trabalho para restabelecer boas relações com eles. Não, eu te chamei pois tenho uma tarefa para ti.”

Giordano mal podia acreditar. Seu pai finalmente lhe confiava uma missão! Era a oportunidade de deixar seus irmãos preguiçosos e estúpidos para trás, ele pensava, “Se pelo menos eu tivesse tido a idéia de matar um Avalon antes...” ele só conseguiu perceber que seu pai havia recomeçado a falar alguns segundos depois da primeira palavra. Sacudiu a cabeça tentando tirar as nuvens trazidas tanto pela nova quanto as pelo vinho.

“Como sabe”, seu pai falava, “a nação vizinha de Eisen está arrasada pela Guerra dos Trinta Anos. Depois que o Imperador se enforcou, a nação se dividiu em sete baronatos semi-independentes. A província mais ao noroeste é chamada Wische, e é uma das mais devastadas e empobrecidas. Ouvi dizer que seu soberano é um homem decidido a restaurar a força de seu domínio, mas lhe faltam os recursos para tanto. Seria a hora perfeita para fecharmos um acordo comercial e obter minério de ferro, a única mercadoria que eles conseguem fornecer, a um bom preço. Ferro é quase tão bom quanto ouro nos negócios com os Crescentes, e poderíamos melhorar nossas importações daquela terra se tivéssemos um suprimento confiável de metal. Meu irmão mais velho, o chefe da família, me deu a tarefa de conseguir ferro, e eu quero que você aproveite essa oportunidade de brilhar na família.” Seu pai se posicionou atrás da cadeira e colocou as mãos nos ombros de Giordano “Você sabe que eu sou um quarto filho assim como você. Eu sei o quanto é difícil encontrar um lugar na família. Esta é sua chance, tanto quanto é a minha de cair nas graças de meu irmão.”

O pai de Giordano tomou outro gole de vinho. “Eu já enviei uma mensagem ao barão – ou eisenfurst como eles chamam a si próprios – um homem chamado Reinhard von Wische. Ele o espera em seu castelo no quarto dia de Tertius. Lá você fará a nossa oferta de um acordo comercial.”

“Estou muito honrado com sua confiança em mim, pai. Partirei tão logo quanto possível, creio que posso ordenar que uma carruagem seja aprontada para amanhã de manhã.”

“Não é necessário. Vá fazer sua bagagem, a carruagem está pronta e você e sua prima Isabella partem ao pôr do sol. Meu irmão envia com ela os termos aceitáveis do acordo, que ela lhe passará durante a viagem. Você se lembra dela, de quando vocês eram crianças, não?”

“Maldito seja, velho” Giordano pensou consigo mesmo, compreendendo porque ele havia sido o escolhido “por isso você não está indo, ou um dos meus irmãos mais velhos. Está me mandando viajar com uma strega!”

 

Prólogo: Luca e Gerard

A platéia batia palmas com entusiasmo, maravilhada com o espetáculo que acabaram de assistir. O cravista havia composto uma bela peça, e a incrível voz do cantor Vodacce trouxe lágrimas aos olhos de todos. Enquanto os artistas se inclinavam diante deles, algumas más-línguas sussurravam dizendo que o jovem era um castratti, mais por inveja do que por provas, já que ele estava sempre acompanhado de lindas cortesãs, como seu parceiro Montaigne.

E era verdade. O rapaz tinha tido sua masculinidade removida quando garoto para manter sua voz nas escalas mais altas.

Não obstante, a dupla trazia grande renome para seu patrono, o Marquês Hughes de Courson d’Aur. Muitos nobres invejavam a presença da dupla Gerard Denis e Luca de Montenero na corte de Courson. Naquela noite, muitos partilhavam desta inveja; tanto pela música quanto pela atenção que os músicos atraiam de esposas e filhas pelo salão.

 

Mais tarde naquela noite...

Luca deixou seu quarto cuidadosamente, temendo que alguém visse que a mulher do Conde Rosseau ainda não havia saído após tanto tempo. Arrumou seu colarinho em um espelho e prosseguiu ao quarto de Gerard. Parou por um momento, olhou para os lados e bateu.

“Sim?”, respondeu uma voz do interior do quarto.

“Abra, Gerard. O Marquês nos aguarda para cear.”

A porta abriu só um pouco, mas foi o suficiente para Luca notar a figura lânguida e seminua da filha do Conde Armand na cama. Luca sorriu e disse sarcasticamente:

“Vamos lá. Nós entramos praticamente ao mesmo tempo. Você já devia ter terminado a essa hora.”

“É, mas eu não preciso me limitar a BEIJÁ-LA. Eu tenho outras necessidades.”

“Você pode ser a maior parte sangue Montaigne, mas seu tato com certeza veio da sua avó Eisen. Você deveria ser mais sensível com a minha condição delicada.”

“Ah. Como se você ficasse ofendido com isso. Me vestirei rapidamente e me encontro contigo no salão em alguns minutos. Espere lá.”

“Humpf!” pensou Luca “O tempo que vai demorar para ele se vestir eu poderia ir ver como está a querida Condessa Rosseau... hummm... é exatamente isso que vou fazer.”

 

Quarenta minutos depois...

“Ah, meus protegidos! Entrem, tenho muito o que lhe contar, mas primeiro vamos ter uma agradável refeição” recebeu o Marquês na cabeceira de uma mesa enorme e ricamente decorada, com bandejas de prata cheias de faisão assado e vários tipos de saladas, e uma grande tigela de macarrão ao molho de leite.

Luca e Gerard sentaram-se à esquerda de seu patrono, de frente a um homem que vestia uma túnica de mosqueteiro e um outro, finamente vestido, que tampouco conheciam. Sabiamente, não disseram uma palavra, sabendo que era melhor aguardar que de Courson os apresentasse. Comeram silenciosamente e beberam de um vinho que poderia ser melhor. Um adepto dos vinhos de Castille, o Marquês tinha dificuldades para manter sua adega em tempos de guerra, então a seleção não era das mais saborosas. Os minutos voaram enquanto o único som da sala era o arranhar da prata sobre porcelana, e o tilintar de taças de cristal.

“Meus amigos, deixem-me apresentá-los Maurice e Arnoud”, disse o Marquês quando todos terminaram. Olhares cruzados e acenos de cabeça, acompanhados de palavras resmungadas completaram a apresentação. “Deixem-me explicar o propósito deste banquete enquanto esperamos os servos trazerem a sobremesa.”

“Estou muito interessado em uma oportunidade que se apresentou semana passada. Um velho conhecido retornou da província de Wische, em Eisen, e me alertou que o seu governante aspira acertar um acordo comercial com algum parceiro estrangeiro. Eu, como moderador, poderia ganhar muito prestígio com meu primo, o Duque d’Aur, se colocasse este ducado em uma posição onde tal acordo nos fosse benéfico. Para isso, meu amigo aqui, Maurice, que é o mesmo que primeiro me avisou da oportunidade, se ofereceu para intermediar esta negociação em meu nome, usando suas habilidades diplomáticas na corte deste Reinhard von Wische. Aí entram vocês, meus protegidos. Vocês devem ir com Maurice e o ajudar a impressionar este nobre, compondo e interpretando uma peça que enalteça seu país, sua província ou ele mesmo, tanto faz, o que quer que sua veia artística lhes diga, pavimentando o caminho para que meu Maurice aqui estabeleça uma relação lucrativa para nós, o que com certeza ele conseguirá. Em tempo: É claro que eu nunca iria enviar três dos meus melhores amigos para uma terra de ninguém devastada pela guerra sem proteção, então Arnoud aqui defenderá vocês de qualquer malfeitor que se interponha em seu caminho. Têm alguma coisa a dizer antes que eu comece a me deliciar com esta maravilhosa mousse?”

“Nada, meu senhor,” disse Luca. “Ficarei muito feliz de servir meu patrono de outros modos que simplesmente entretendo-o. Apenas temo sentir falta do agradabilíssimo ambiente de sua gloriosa corte.”

“Com certeza sentiremos muita falta, porém voltaremos com mais apreço e com boas notícias de sucesso do acordo e de nossa futura obra. Para falar a verdade,” completou Gerard, “Já tenho uma idéia perfeita para uma peça...”

 

continua...